Bolsonaro e aliados atacam delação de Cid e tentam minimizar denúncia da PGR

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O ex-presidente Jair Bolsonaro e seus principais aliados buscam argumentos para minar a credibilidade da delação do tenente-coronel Mauro Cid, considerada peça central na denúncia apresentada pela PGR (Procuradoria Geral da República).

No dia seguinte ao recebimento da denúncia pelo STF (Supremo Tribunal Federal), eles se reuniram na casa do deputado federal Coronel Zucco (PL-RS) para “discutir estratégias”. Nos últimos cinco dias, Bolsonaro publicou 10 posts no Instagram questionando a legalidade do depoimento de Cid.

O principal argumento ventilado pelos envolvidos é que o ex-ajudante de ordens de Bolsonaro teria sido coagido pela Polícia Federal e pelo ministro Alexandre de Moraes a colaborar.

‘Cid mentiu’

Para reforçar a argumentação, o ex-presidente publicou novamente um áudio divulgado pela revista Veja em março de 2024, no qual Cid ataca a PF e diz que foi pressionado a relatar fatos que não aconteceram ou dar detalhes sobre questões que não tinha conhecimento. Na época, a PF e o ministro Moraes chegaram a cogitar a revogação da delação premiada.

Ele ignora, porém, que Cid voltou atrás sobre os áudios. Em uma das sessões da delação, o tenente-coronel chorou ao comentar a divulgação do material pela imprensa e afirmou que se tratava de um desabafo motivado por dificuldades financeiras e familiares:

“Foi um desabafo. Eu não tinha a ideia de atacar ninguém, ou criticar ninguém, até porque a Polícia Federal sempre me tratou com muito respeito ali, por mais que eles tenham a tese investigatória deles, eu tenho a minha versão, mas nunca houve uma pressão”, afirmou Cid.

Ele também declarou que o áudio completo começava com críticas a Bolsonaro e aliados que, segundo ele, eram milionários que não sofreram quaisquer consequências — ao contrário dele, que afirmou ter perdido a carreira e precisado vender imóveis.

Imagem mostra o tenente-coronel Mauro Cid, um homem branco de cabelos castanhos-claro vestindo uma camisa azul clara. Ele está com a mão direita no rosto, cobrindo parcialmente os olhos, demonstrando que está chorando, e apoiando o cotovelo em uma mesa de cor marrom. À sua frente, há um microfone e atrás há um monitor de computador, um laptop e uma parte do braço coberto por uma blusa preta de uma pessoa com cabelos longos e loiros. 
Mauro Cid chorou ao comentar áudios vazados na imprensa e reforçou que nunca houve pressão por parte da Polícia Federal (Reprodução/STF)

Além disso, no último domingo (23) o Fantástico, da Globo, divulgou áudios inéditos da investigação. São gravações da época em que aconteceram as articulações golpistas. Em uma das gravações, o tenente-coronel diz que Bolsonaro editou o rascunho da minuta do golpe e sabia exatamente do que se tratava o documento:

“Ele entende as consequências do que pode acontecer. Hoje, ele mexeu naquele decreto, ele reduziu bastante, fez algo muito mais direto, objetivo e curto. E limitado, né?”, contou ele ao então comandante do Exército, o general Freire Gomes.

As gravações também confirmam a versão de Cid na delação sobre a versão inicial da minuta, que determinava a prisão dos ministros do STF Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes, e do então presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), mas foi alterada a pedido de Bolsonaro.

“Aí, basicamente, o presidente corrigiu o documento. Falou assim: ‘não, não vai prender ninguém, só vai prender Alexandre de Moraes e fazer outra eleição’”, disse o ex-ajudante.

‘Moraes não retirou sigilo’

Em outras publicações no Instagram, Bolsonaro apontou o sigilo imposto por Moraes sobre os depoimentos de Cid como indício de irregularidades na delação. No entanto, o ministro derrubou a restrição na quarta-feira (19), um dia após a denúncia da PGR.

Com a liberação das gravações, o ex-presidente voltou a alegar coação, afirmando que Moraes ameaçou Cid de prisão. Em entrevista à GloboNews, o advogado Celso Vilardi, que lidera a defesa do ex-presidente, reforçou essa acusação.

Questionado se iria solicitar a anulação do depoimento, Vilardi respondeu “evidentemente que sim”, e afirmou estar surpreso por precisar fazer o pedido. “Para mim, efetivamente, não vale nada [a delação de Cid]”, afirmou em outro momento da entrevista.

‘Não há evidências’

Outro argumento dos apoiadores de Bolsonaro é que a denúncia da PGR não apresenta outras evidências da participação dele e de aliados na tentativa de golpe de Estado além da delação supostamente inválida de Cid, o que Aos Fatos demonstrou ser falso.

Apesar de os depoimentos de Cid serem peça-chave na denúncia apresentada pela PGR, o documento apresenta outras evidências de que o ex-presidente e demais investigados tiveram participação nos crimes apurados pela PF.

Entre as provas, estão os depoimentos do general Freire Gomes e do tenente-brigadeiro Carlos de Almeida Baptista Júnior, ex-chefe da Aeronáutica.

Em depoimento, Freire Gomes afirmou à PF que uma versão da minuta do golpe foi apresentada em uma reunião no dia 7 de dezembro de 2022 com a presença de Bolsonaro e militares. A informação foi confirmada por Baptista Júnior, e registros na portaria comprovam a presença do ex-presidente no local.

Os dois militares relataram ainda que sofreram pressão de integrantes do governo e de outros militares para aderirem à tentativa de ruptura institucional.

O documento da PGR também apresenta evidências de ataques premeditados contra o sistema eleitoral. Durante as investigações, a PF encontrou documentos em posse de Augusto Heleno e de Alexandre Ramagem com diretrizes para Bolsonaro e o restante do grupo, incluindo a estratégia de lançar dúvidas sobre a integridade das eleições.

Além disso, a PF também descobriu que agentes usaram ilegalmente a estrutura da Abin (Agência Brasileira de Inteligência) para espionar e atacar pessoas e instituições, além de espalhar desinformações nas redes. Aos Fatos foi um dos alvos dessas ações clandestinas.

Repercussão

A ofensiva contra o depoimento de Cid vem sendo repetida por aliados de Bolsonaro. Os parlamentares Flávio Bolsonaro (PL-RJ), Carlos Jordy (PL-RJ) e Gustavo Gayer (PL-GO) são alguns dos que já fizeram publicações corroborando a hipótese de coação.

No X, posts dos deputados sobre o tema acumulavam ao menos 226 mil curtidas até a tarde desta segunda-feira (24). No Facebook e Instagram, postagens recentes de usuários disseminando os áudios de Cid divulgados pela Veja em 2024 tinham ao menos 11 mil compartilhamentos.

O caminho da apuração

Aos Fatos consultou os perfis de Jair Bolsonaro e constatou o uso da estratégia de descredibilizar o depoimento do ex-ajudante de ordens Mauro Cid. Em seguida, consultamos matérias divulgadas na imprensa e os vídeos da delação de Cid, além de analisar a denúncia apresentada pela PGR na última terça-feira (18).

Referências

  1. JOTA
  2. CNN Brasil (1, 2, 3, 4 e 5)
  3. Veja
  4. g1 (1 e 2)
  5. UOL
  6. Aos Fatos (1 e 2)

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