O prefeito também voltou a desinformar sobre a evasão escolar na capital paulista e tratou o tema como se houvesse um indicador único para avaliá-lo. No entanto, existem estatísticas distintas para os ensinos fundamental e médio.
Uma nova ocorrência no discurso de Nunes foi a desinformação sobre o PL 2.622/2024 — que, segundo o prefeito, seria “um projeto de lei do PSOL (…) para poder tirar da cadeia 42 mil pessoas que são usuários e que transportam e vendem drogas”. Durante a semana, o tema viralizou nas redes com peças desinformativas.
Na verdade, o projeto busca anistiar pessoas presas por comprar, portar ou transportar para uso próprio até 40 gramas ou seis plantas de maconha — a mesma quantidade definida pelo STF (Supremo Tribunal Federal) como limite para diferenciar usuários e traficantes.
Confira, a seguir, um resumo do que checamos:
“Deixa eu te falar uma coisa da Cracolândia. Eram 4.000 [usuários de drogas]. Hoje são 900.”
A declaração do candidato à reeleição é FALSA por dois motivos:
“Ao longo desses 30 anos de existência da Cracolândia, não foram feitas pesquisas longitudinais, de forma ininterrupta, seguindo a mesma metodologia”, explicou ao Aos Fatos o pesquisador Aluízio Marino, do LabCidade da USP.
“O que a gente tem são pesquisas dispersas, com metodologias diferentes, em tempos diferentes. E muitas dessas pesquisas também são encomendadas pela própria gestão da vez — são pouquíssimo confiáveis.”
Atualmente, a prefeitura monitora o fluxo da Cracolândia por meio do Dronepol, programa lançado em 2017, na gestão João Doria. O projeto divulga dados diários e relatórios com médias por período.
Há, no entanto, três problemas com as estimativas feitas pelo Dronepol:
Em nota ao Aos Fatos, a prefeitura afirmou que, apesar de não divulgar esses números, ela também realiza contabilizações noturnas durante as operações da GCM (Guarda Civil Metropolitana) de 15 em 15 dias.
Questionada sobre a metodologia, a gestão afirmou que a contagem é “feita de forma manual, um a um, por ocasião do processo de identificação das pessoas”. Ainda de acordo com a prefeitura, esses dados não são divulgados no site do Dronepol pois não são realizados com o mesmo método do programa.
Antes do Dronepol, a contabilização do fluxo da Cracolândia era feita esporadicamente pela prefeitura e por pesquisadores sem vínculo com a gestão municipal:
Outro lado. Procurada, a campanha de Nunes afirmou que “o número de 4.000 usuários nas cenas de uso aberta foi apurado no início de 2017, no contexto da criação do Programa Redenção (o mais longevo programa de atuação na Cracolândia)”, sem, no entanto, citar o banco de dados ou a fonte da informação.
A assessoria do candidato à reeleição também enviou link para uma reportagem da Folha de S.Paulo, em que não consta a informação sobre 4.000 usuários na Cracolândia.
“Diminuímos a evasão escolar. No Brasil, é 5,5%. Aqui em São Paulo, a gente reduziu mais ainda. Eu recebi semana ada o resultado de 0,7%. Ano retrasado era 0,95%.”
A alegação, já repetida por Nunes, é FALSA, pois:
Os últimos dados disponíveis sobre evasão escolar, de acordo com o Inep (Instituto Nacional de Pesquisa e Estudos Educacionais Anísio Teixeira), se referem a 2021: em todo o Brasil, a evasão era de 5,9% no ensino médio e 2,3% no ensino fundamental. Na cidade de São Paulo, no mesmo ano (o primeiro de Nunes à frente da prefeitura), a taxa foi de 2,8% no ensino médio e 0,9% no ensino fundamental.
Aos Fatos não localizou dados mais recentes sobre evasão. O Inep confirmou que os últimos se referem a 2021.
Outro lado. A equipe de Nunes já havia sido questionada pelo Aos Fatos sobre os números usados pelo prefeito. Segundo a assessoria, ele citou os dados da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
De acordo com a pesquisa, 94,6% dos estudantes brasileiros de 6 a 14 anos frequentavam, em 2023, a série adequada para a idade. Isso daria, portanto, uma taxa de 5,4% de abandono escolar — quando o aluno deixa de frequentar as aulas durante o ano letivo.
A pesquisa, no entanto, não fez o recorte por município. Além do mais, conceitualmente, abandono escolar é diferente de evasão — que se caracteriza quando o estudante, reprovado ou aprovado, não se matricula no ano seguinte.
“Eu tô construindo o primeiro centro TEA, o maior centro TEA do nosso país.”
A declaração de Nunes é FALSA, porque o Centro TEA (Centro Municipal para Pessoas com Transtorno do Espectro do Autismo) não será o primeiro do país.
Aos Fatos já verificou essa declaração e mostrou que outras cidades brasileiras — como Rio de Janeiro, Balneário Camboriú (SC) e São Luís — mantêm em funcionamento equipamentos semelhantes, voltados ao atendimento de pessoas com autismo e suas famílias.
No Rio de Janeiro, o Centro de Estímulo ao Desenvolvimento no Transtorno do Espectro Autista foi inaugurado em fevereiro deste ano. O Complexo Neurossensorial Casa do Autista, de Balneário Camboriú (SC), funciona desde junho deste ano; em São Luís, o Centro TEA 12+, voltado a crianças e adolescentes com autismo, existe desde 2023.
Outro lado. De acordo com a Prefeitura de São Paulo, o centro citado por Nunes se diferenciaria dos demais por não ser apenas uma clínica, mas um centro de atendimento cultural e social tanto para os pacientes como para suas famílias. Aos Fatos verificou, porém, que os três serviços citados já atuam com essa mesma proposta.
“PL 2.622/2024. Projeto de lei 2.622. É um projeto de lei do PSOL. Qual é o projeto? Para poder liberar, tirar da cadeia, 42 mil pessoas que são usuários e que transportam e vendem drogas.”
A declaração é FALSA. O PL 2.622/2024, de autoria da deputada federal Sâmia Bomfim (PSOL-SP), dispõe sobre a concessão de anistia a pessoas acusadas ou condenadas por comprar, portar ou transportar para uso próprio até 40 gramas ou seis plantas de maconha — a mesma quantidade definida pelo STF (Supremo Tribunal Federal) como limite para diferenciar usuários e traficantes durante o julgamento concluído em julho deste ano.
Segundo o Atlas da Violência 2024, divulgado pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), cerca de 42 mil pessoas não estariam presas se até 25 gramas de maconha ou até 10 gramas de cocaína fossem consideradas quantidades para uso pessoal, e não tráfico.
No entanto, o STF não julgou o porte de cocaína, que segue ilegal. Não há, portanto, uma estimativa exata de quantas pessoas seriam colocadas em liberdade com a aprovação do projeto de lei que trata somente do porte de maconha.
Outro lado. Procurada, a campanha de Nunes afirmou que “o fato é que a decisão do STF não fala em retroatividade, mas o projeto de lei do PSOL propõe retroatividade e anistia a condenados por tráfico de drogas”.
Nunes exagera o total de UPAs (unidades de pronto atendimento) inauguradas ao longo de sua gestão, e, por isso, a declaração é imprecisa.
Questionada pelo Aos Fatos no início de setembro sobre quais seriam as unidades mencionadas pelo prefeito, a Secretaria Municipal de Saúde encaminhou uma lista com 18 estabelecimentos. Três deles, no entanto, foram inaugurados por outros prefeitos:
O candidato à reeleição tem citado essa alegação enganosa ao menos desde o debate da Band, ocorrido ainda durante a pré-campanha. Nessa e em outras ocasiões (veja aqui e aqui), no entanto, o número citado era de 18 UPAs.
O acréscimo de uma unidade ocorreu devido à reforma da AMA (Assistência Médica Laboratorial) Jardim Helena, na zona leste, que foi transformada em UPA e reinaugurada na última quarta (18). A unidade, que antes lidava com casos de baixa e média complexidade, agora está habilitada a realizar atendimentos de urgência e emergência.
“A minha rejeição foi baixando. A aprovação do governo aumentando.”
A declaração é imprecisa por dois motivos:
Rejeição. O relatório completo da pesquisa de intenção de voto mais recente do Datafolha mostra que a primeira rodada, divulgada em 7 de agosto, registrou taxa de rejeição de 24% para o candidato à reeleição. A margem de erro da pesquisa é de 3 pontos percentuais.
Nas quatro rodadas seguintes, esse índice caiu fora da margem de erro apenas uma vez (de 25% para 21%) e atingiu o menor patamar na penúltima pesquisa, quando registrou 19%. Na última rodada, no entanto, ele voltou a oscilar para cima e voltou a 21%.
Considerando os números da primeira e da última pesquisas, portanto, a rejeição ou de 24% para 21%, uma alteração dentro da margem de erro que não permite dizer que houve queda, apesar da tendência.
Já a pesquisa da Quaest mede dois critérios: “conhece e vota (potencial de voto)” e “conhece e não vota (rejeição)”. A consultoria realizou cinco pesquisas desde o início da corrida eleitoral, e Nunes registrou 37% de rejeição no levantamento divulgado em 18 de setembro — mesmo número que havia registrado na primeira rodada, em junho, como mostra o relatório completo mais recente.
No critério de “potencial de voto”, Nunes é o candidato com a melhor estatística, segundo a medição da Quaest. Ele subiu de 39% na primeira pesquisa para 50% na mais recente — neste caso, é possível afirmar que houve crescimento, porque a variação superou a margem de erro.
Avaliação de governo. De acordo com a Quaest, a avaliação de Nunes à frente da prefeitura se manteve estável nas cinco pesquisas realizadas, entre junho e 18 de setembro:
A série do Datafolha sobre a avaliação do governo começa em abril de 2022 — quando o prefeito estava no cargo havia 11 meses — e mostra um crescimento expressivo na aprovação entre aquele momento e o início deste ano, período que engloba quatro pesquisas. Nesse intervalo, o percentual de entrevistados que consideravam o governo Nunes ótimo ou bom subiu de 12% para 29%.
Por causa das eleições, o instituto ou a medir a avaliação do governo com mais frequência neste ano. Apesar de o gráfico desde 2022 de fato mostrar um crescimento, nas pesquisas realizadas em 2024 a aprovação de Nunes apresentou tendência de estabilidade.
Na rodada divulgada nesta semana, a taxa de aprovação oscilou para baixo, de 31% para 28%, segundo o Datafolha — números próximos aos registrados na primeira pesquisa do ano, feita em março, quando Nunes teve 29%.
“Nenhuma capital do mundo vacinou mais do que a cidade de São Paulo.”
É verdade que, em poucos meses, São Paulo atingiu altas taxas de vacinação contra a Covid-19. No entanto, não existem dados comparativos precisos e mensais entre as capitais globais que possam atestar que São Paulo foi, de fato, a capital que mais vacinou no mundo em números absolutos ou proporcionais.
Em setembro de 2021, por exemplo, quando a cidade tinha 75,1% da população adulta totalmente vacinada, a capital chinesa, Pequim, já tinha 97% dos adultos imunizados. Em outubro de 2021, a capital da Austrália, Canberra, se aproximava de 100% da população vacinada e também disputava o título de cidade com maior taxa de vacinação no mundo.
Outro lado. A fim de justificar a frase enganosa, a campanha de Nunes citou uma reportagem do site da revista Forbes, publicada em janeiro de 2022, sob o título: “Como São Paulo se tornou a ‘capital mundial da vacina’”.
O texto exalta o avanço da vacinação na cidade, mas em nenhum momento diz que São Paulo foi a cidade que mais vacinou, como disse Nunes. A reportagem da Forbes não possui a proposta de ser um levantamento comparativo entre cidades e também não justifica de onde tirou o apelido de “capital mundial da vacina”, publicado no título entre aspas.
“Eu comecei isso aqui em junho, esse sistema [Smart Sampa], porque eu perdi um ano. Eu não conseguia licitar. O PSOL entrava com a ação, não sei o quê. Então, demorou.”
A declaração atribui ao PSOL o atraso da licitação do sistema Smart Sampa, para compra de câmeras a serem usadas no reconhecimento facial. O partido de fato entrou com uma ação em maio de 2023 para suspendê-lo, mas outras organizações também se articularam contra o projeto. Por isso, a declaração foi classificada como NÃO É BEM ASSIM.
Em dezembro de 2022, o edital do programa foi suspenso pelo TCM (Tribunal de Contas do Município) após sete representações — movidas pela Defensoria Pública do Estado e por entidades da sociedade civil — questionarem pontos como possíveis violações da LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados), o modelo de licitação e o risco de possíveis violações de direitos de minorias.
Quatro meses depois, em abril de 2023, o edital foi liberado por unanimidade pelo TCM. O PSOL entrou com pedido de suspensão do programa no dia 15 de maio, que foi acatado pelo TJSP (Tribunal de Justiça de São Paulo) no dia 18. Cinco dias depois, em 23 de maio, a prefeitura derrubou a liminar e anunciou a retomada do edital de contratação da empresa responsável por viabilizar o projeto.
Novamente, a Defensoria Pública de São Paulo e outras entidades da sociedade civil pediram a suspensão da licitação, mas a Justiça decidiu pela manutenção do pregão que definiu a companhia vencedora do edital.
Outro lado. A campanha de Nunes afirmou que “ele não disse que só o PSOL entrou com ação”.
“Na época do PT, eram 150 mil crianças querendo uma vaga de creche e não tinha aqui na cidade mais rica.”
A declaração é VERDADEIRA, porque os números são próximos aos informados pelo candidato. De acordo com levantamento do jornal O Estado de S. Paulo a partir de dados da Secretaria Municipal de Educação, havia em setembro de 2016, durante a gestão de Fernando Haddad (PT), um total de 133 mil crianças de zero a três anos aguardando por vagas em creches.
“Aumentei lá bastante o objetivo da Guarda Civil Metropolitana. Eu coloquei 2.000 guardas civis metropolitanos a mais.”
A declaração é VERDADEIRA. Desde o início de seu mandato, Nunes de fato nomeou 2.000 guardas civis metropolitanos. Foram convocados 1.000 guardas em 2023 e mais 1.000 neste ano — 500 em março e 500 em julho.
“No ano ado nós tivemos o menor índice de homicídios na nossa cidade.”
A alegação é VERDADEIRA. Segundo dados da SSP-SP (Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo), em 2023, a cidade de São Paulo teve o menor número proporcional de homicídios dolosos (quando há intenção de matar) registrados desde o início do levantamento, em 2001.
Ao todo, foram contabilizados 481 casos em 2023 — uma taxa de 4,21 a cada 100 mil habitantes. No ano anterior, a proporção era de 4,68 a cada 100 mil habitantes. Em 2001, ano recorde da série histórica, a taxa foi de 49,16 a cada 100 mil habitantes.
A entrevista de Ricardo Nunes ao podcast Inteligência Ltda. foi transcrita pelo Escriba, ferramenta de inteligência artificial desenvolvida pelo Aos Fatos. A equipe leu a transcrição, selecionou as declarações checáveis e fez as verificações necessárias. Consultamos bases de dados públicas, projetos de lei, relatórios de pesquisa e outras verificações já realizadas por nós. A assessoria de Nunes foi procurada para comentar os resultados.
Atualização: este texto foi atualizado às 17h04 de 21.set.2024 para incluir posicionamentos enviados pela campanha de Ricardo Nunes.
Referências