Todo mundo, nas últimas semanas, ouviu falar alguma coisa sobre os bebês reborn, como são chamadas as bonecas ultrarrealistas que imitam recém-nascidos. Esses bebês estão gerando tanto interesse que aram a ser assunto não só das redes, mas também da imprensa tradicional.
Há, inclusive, pessoas indignadas com os bebês reborn. Pessoas que acreditam que essas bonecas são problemas à sociedade ou que seus proprietários são “oportunistas” e “malucos”. Os bebês reborn são até alvo de projetos de lei que impedem seu tratamento no SUS (Sistema Único de Saúde)!
Mas será que é mesmo para tanto?
A prática de comprar e colecionar bebês ultrarrealistas não é nova: há registros de bonecas semelhantes há décadas e seus proprietários organizam encontros há anos no Brasil. Vou repetir, porque isso vai fazer sentido mais para a frente: esses bebês estão no Brasil há anos.
O recente interesse nas bonecas começou a crescer em meados de maio, segundo o Google Trends, após veículos de imprensa publicarem reportagens sobre esse cenário. A edição do dia 11 do Fantástico, por exemplo, abordou o tema para falar sobre como esse tipo de boneca estava ganhando interesse entre colecionadores e se tornando uma fonte de renda para artesãos, apelidados de “cegonhas reborn”.
As bonecas também viraram assunto de influenciadores, como Felipe Neto, cujo vídeo de “unboxing” de bebês reborn foi visto por mais de 1,5 milhão de pessoas.
E o que acontece quando um assunto ocupa o topo dos temas de interesse na internet? A internet estraga.
É lógico que, quanto mais interesse há sobre um assunto, mais viral ele se tornará. Esse potencial de viralização alto incentiva que usuários postem sobre esse tema. O problema é que alguns exageram — ou mentem deliberadamente — para tentar surfar no engajamento. E esse conteúdo nocivo vai se misturando a publicações sérias e tornando mais difícil discernir o que é realidade e o que é ficção.
Esse é o caso dos bebês reborn. Há tantas histórias malucas virais nas redes que coisas claramente falsas estão sendo tratadas como se fossem verídicas:
- As imagens de um protesto pelos direitos de bebês reborn em Araraquara (SP) são, na verdade, uma piada feita pelo perfil satírico Dolangue News;
- Vídeos humorísticos, como o da criadora de conteúdo @sheraazade, também têm sido compartilhados como se mostrassem mães indignadas com as negativas médicas que suas bonecas têm recebido;
- Outro post satírico que viralizou como real dizia que uma mãe teria exigido “teste de DNA” de sua bebê reborn para que o pai “assumisse a paternidade”. O post real foi publicado pelo criador de conteúdo @sergiomaia;
- Também circulou como se fosse verídico um vídeo de humor que dizia que mães de bebês reborn teriam feito um protesto pedindo por direitos das bonecas em Minas Gerais;
- A descontextualização atinge também casos mais sérios: a gravação de uma mulher amarrada a uma maca não mostra uma “mãe de bebê reborn” que foi presa após pedir atendimento para sua boneca. As gravações inseriram a legenda com informação falsa no vídeo de uma mulher que teve um surto psicótico e precisou ser internada;

- Diversos vídeos de mulheres reclamando sobre o atendimento em hospitais ou postos de saúde também têm sido descontextualizados para sugerir que se trata de mães de bebês reborn indignadas porque suas bonecas teriam tido tratamento negado;
- Outro exemplo é o da imagem de uma mulher algemada a um corredor de hospital, que circula com a legenda “Bebê reborn com 40 graus de febre e médico se recusa a atender”. Na verdade, o registro foi feito em 2022 e mostra uma mulher presa após dar café com açúcar para pacientes diabéticos e brigar com os funcionários da Santa Casa de Misericórdia, em Araraquara (SP).

- E não. O Lula não anunciou Bolsa Família para mães de bebês reborn.
A notável tentativa de chamar a atenção (aliada à zoeira inerente ao brasileiro) faz ser impossível não duvidar inclusive de relatos publicados por órgão institucionais e pessoas públicas:
- Um escritório de advocacia de Ibaiti (PR) disse ter recebido “diversos pedidos de orientação jurídica com o objetivo de fixar pensão alimentícia em favor desses bonecos”. Mas quantos pedidos eram, de fato, reais?
- Três projetos de lei tentam criminalizar o uso dessas bonecas para receber ou usufruir de benefícios destinados a bebês reais. Mas há realmente tantos casos que validem uma medida legal?
- A prefeitura de Curitiba fez um post em suas redes explicando que “mães de bebês reborn não têm direito a banco preferencial”. Mas houve de fato tantas queixas nesse sentido?
Não estamos dizendo que nenhuma maluquice envolvendo os bebês reborn aconteceu. Tudo indica, por exemplo, que a história do casal de Goiânia que procurou uma advogada para disputar a guarda de uma boneca é verídica. O que muitos posts omitem, no entanto, é que o bebê reborn do caso possuía uma página no Instagram monetizada e com publicidades e que os dois “pais” queriam manter o controle istrativo do perfil.

Também é fato que uma adolescente de 17 anos teve mais de 8 milhões de visualizações em um único vídeo no TikTok ao simular a ida de seu bebê reborn a um hospital (ela alega, no entanto, que gravou o vídeo enquanto visitava uma amiga).
Isso explica porque algumas pessoas poderiam tentar dar entrada com bonecas nesses estabelecimentos. Em Itajaí (SC), por exemplo, uma mulher tentou vacinar seu bebê reborn para “que pudesse filmar e postar nas redes sociais”.
Mas como dito antes: essas bonecas estão no Brasil há anos. Por que só agora, após a viralização, começaram a aparecer maluquices todos os dias?
Nesse cenário nebuloso, onde não é possível saber o que de fato é real e o que é zoeira, a indignação precisa ser, realmente, institucional? Prefeituras e outras autoridades têm que explicar o óbvio? Deputados e vereadores realmente precisam discutir projetos de lei para tentar barrar o uso mal-intencionado de bonecas?
Trends são ageiras. Mas o comportamento extremo de alguns usuários para tentar viralizar junto com elas, não.
Esta newsletter foi atualizada às 16h20 do dia 26.mai.2025 para acrescentar a explicação da adolescente que publicou um vídeo de seu bebê no hospital.