Bolsonaro mentiu ao alegar, por exemplo, que o inquérito 1361 foi aberto em 2018 para apurar inconsistências nas urnas eletrônicas. Na verdade, a investigação apurou um suposto vazamento de dados nos servidores do TSE (Tribunal Superior Eleitoral). O caso não poderia influenciar o resultado do pleito, já que as urnas não são conectadas à internet.

O ex-presidente também enganou ao afirmar que o TSE teria favorecido o presidente Lula (PT) durante as eleições de 2022 ao permitir que ele o chamasse de “genocida”, e que os atos de vandalismo no 8 de Janeiro teriam sido cometidos apenas por pessoas que chegaram à Brasília na véspera dos ataques aos Três Poderes.

Veja abaixo, em resumo, o que checamos:

  1. É FALSO que o inquérito 1361, aberto em 2018, apura fragilidades do sistema eleitoral. Ele, na verdade, investiga uma suposta invasão a bancos de dados do TSE sem relação com as urnas eletrônicas;
  2. Também sobre esse inquérito, Bolsonaro mente ao dizer que ele foi tornado sigiloso após o ex-presidente citá-lo na reunião com embaixadores. A PF concluiu que o documento sempre teve caráter sigiloso e que o ex-presidente cometeu crime de vazamento de informações confidenciais ao divulgá-lo;
  3. Bolsonaro voltou a alegar, de forma incorreta, que seu partido foi multado apenas por questionar o resultado da eleição e que foi impedido de recorrer desta decisão. A multa se deve ao fato do PL não ter apresentado nenhuma prova para pedir a anulação de votos em 2022, o que o TSE considerou litigância de má-fé;
  4. O ex-presidente disse ainda que, enquanto foi proibido de divulgar informações sobre o Lula, a campanha do PT pôde chamá-lo de genocida. As peças em que Bolsonaro era chamado de genocida, no entanto, foram removidas após determinação da Justiça Eleitoral, que atendeu pedido da campanha do PL;
  5. Bolsonaro erra ao alegar que os atos de vandalismo teriam sido cometidos exclusivamente por pessoas que chegaram a Brasília na véspera do 8 de Janeiro. Investigações mostram que os golpistas teriam se concentrado no acampamento antes de avançar em direção aos prédios dos Três Poderes dias antes e que o grupo acampado convocou para a depredação;
  6. O ex-presidente também engana ao afirmar que o atual ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, e o ex-ministro Nelson Jobim não consideram que o 8 de Janeiro tenha sido uma tentativa de golpe. Embora não usem o termo para se referir aos ataques, ambos reconhecem o caráter antidemocrático da invasão.

Na semana seguinte ao segundo turno de 2018, foi instalado o inquérito 1361 para apurar inconsistências, fragilidade do sistema eleitoral.

A declaração de Bolsonaro é FALSA. Diferentemente do que alega o ex-presidente, o inquérito 1361, instaurado pela PF em 2018, não tinha o objetivo de verificar inconsistências no sistema eleitoral. A investigação apurava uma suposta invasão a sistemas e bancos de dados do TSE, que teria permitido o vazamento de dados sigilosos em 2018.

De acordo com o TecMundo, que recebeu os documentos supostamente extraídos do sistema, foram vazados trocas de emails, credenciais de o e parte do código de carga do software da urna eletrônica. O TSE informou, no entanto, que o o indevido não representou qualquer risco à integridade das eleições, já que não houve manipulação no código-fonte das urnas, que não ficam conectadas à internet.

Em 2022, o delegado Victor Feitosa Campos, responsável pelo inquérito, disse não ter encontrado indícios de que a ação tivesse resultado em manipulação de votos, fraude ou problemas na integridade das urnas.

Daí eu convidei os embaixadores para mostrar o inquérito 1361, e com todo respeito, mesmo que seja um outro... Um outro foco, um inquérito, após a minha conversa com os embaixadores, no dia seguinte, ser classificado como confidencial, a gente fica um pouco surpreso com isso.

Não é verdade que o STF classificou o inquérito 1361/2018 como confidencial um dia depois do encontro de Jair Bolsonaro com embaixadores, em julho de 2022. Apuração da PF concluiu que o documento sempre teve caráter sigiloso e que o ex-presidente cometeu crime de vazamento de informações confidenciais ao divulgá-lo.

As informações sobre o caso, que apura uma suposta invasão ao sistema do TSE em 2018, foram vazadas por Bolsonaro, na realidade, em transmissão ao vivo ocorrida em agosto de 2021. O caso se tornou objeto de investigação da Polícia Federal, que concluiu, em fevereiro de 2022, que Bolsonaro cometeu crime.

A conclusão da Corregedoria da PF foi que, mesmo que não houvesse ordem judicial que classificasse a investigação como segredo de Justiça, o inquérito “apresentava o sigilo relativo próprio dos procedimentos de investigação criminal” e, portanto, só poderia ser divulgado após ser concluído.

Em documento enviado ao STF, a Polícia Federal afirma que Bolsonaro teve atuação “direta, voluntária e consciente” ao cometer o crime de vazamento de informações sigilosas durante a transmissão, junto com o deputado Filipe Barros (PL-PR). À época, o então presidente não foi indiciado devido ao foro por prerrogativa de função.

O ex-presidente também mente ao alegar que convidou representantes de outros países em julho de 2022 apenas para divulgar informações referentes ao inquérito. Na ocasião, Bolsonaro também disseminou uma série de alegações falsas sobre o sistema eleitoral brasileiro, como a de que as urnas eletrônicas não seriam auditáveis e a de que não seria possível acompanhar a apuração dos votos.

Em junho de 2023, o TSE julgou que o ex-presidente cometeu abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação ao realizar a reunião. A ação o tornou inelegível por oito anos.

Quando nós peticionamos o TSE sobre possíveis vulnerabilidades, no dia seguinte não foi acolhido, não se discute nada mais além disso, e nos surpreendeu uma multa de R$ 22 milhões. Essa multa nos abalou e, no nosso entendimento, se a gente viesse a recorrer da multa ou da petição a multa poderia ser agravada e outras coisas poderiam acontecer.

Não é verdade que o PL foi multado em R$ 22,9 milhões apenas por peticionar o Poder Judiciário sobre possíveis vulnerabilidades nas urnas eletrônicas. A multa se deu por atuação irregular na Justiça eleitoral nas eleições de 2022.

O ministro Alexandre de Moraes, então presidente do TSE, condenou a coligação Pelo Bem do Brasil por litigância de má-fé por ter acionado a Justiça de forma irresponsável ao questionar o resultado das urnas e pedir a verificação dos equipamentos sem apresentar indícios ou provas de irregularidades.

À época, o PL pediu a invalidação dos votos do segundo turno de mais de 250 mil urnas de modelo anterior a 2020. Segundo a petição, baseada em uma auditoria externa, os equipamentos anteriores a esse ano teriam um número de série único, o que impediria a auditagem dos votos — o que é falso.

Inicialmente, toda a coligação — formada por PP, PL e Republicanos — foi condenada. O PP e o Republicanos, no entanto, recorreram ao TSE alegando não compactuar com as informações contidas no relatório e, por isso, foram desobrigados do pagamento da multa, que foi cobrada apenas do PL.

Na declaração, o ex-presidente também engana ao alegar que o partido não teria recorrido da decisão. A sigla apresentou, sim, recurso, que foi rejeitado inicialmente pelo ministro Alexandre de Moraes. A decisão foi referendada pela corte em dezembro de 2022.

O outro lado podia tudo, até acusar de genocida.

Não é verdade que o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) permitiu que os adversários de Jair Bolsonaro o chamassem de “genocida”. Em agosto de 2022, o ministro Raul Araújo acolheu um pedido do PL que alegava que a chapa de Lula fazia propaganda eleitoral antecipada negativa em vídeos publicados no YouTube.

A peça principal era uma transmissão ao vivo de um discurso do petista em Garanhuns (PE) ocorrido em 20 de julho daquele ano. Na ocasião, Lula chamou Bolsonaro de “genocida”.

Ao acatar o pedido do PL, o magistrado também determinou a remoção de outros sete vídeos em que o petista usava o termo para se referir ao então presidente. As peças foram apagadas no dia seguinte.

Bolsonaro voltou a alegar que o TSE teria interferido nas eleições de 2022 ao impedi-lo de publicar vídeos com críticas a Lula e ter, segundo ele, “censurado” a direita. O que o ex-presidente omite é que sua campanha também solicitou — e conseguiu — a remoção de trechos de propagandas eleitorais e conteúdos na internet publicados por adversários.

Segundo dados do tribunal, Bolsonaro pediu a retirada de sete conteúdos que sua campanha julgou serem “fake news”. Desses, seis pedidos (cerca de 88%) foram acatados.

Aquelas 1.500 pessoas, pobres, coitadas, que até foi levantada por um dos que me antecederam agora há pouco aqui. Cem ônibus chegaram na região do setor ambiental urbano, na madrugada de domingo. E o pessoal foi embora logo depois da baderna e sobrou para quem estava acampado aqui. Quem realmente fez foi embora.

Bolsonaro engana ao alegar que os atos de vandalismo teriam sido cometidos exclusivamente por pessoas que chegaram a Brasília na véspera do 8 de Janeiro, e não por manifestantes que estavam acampados em frente ao QG do Exército na capital. Investigações mostram que os golpistas teriam se concentrado no acampamento antes de avançar em direção aos prédios dos Três Poderes.

A cronologia dos ataques descrita no relatório de Ricardo Cappelli, que foi interventor federal na segurança pública do Distrito Federal, mostra que os acampamentos aram a receber uma série de caravanas de ônibus e de caminhoneiros oriundos de diversos estados a partir de 6 de novembro de 2022. No total, foram mais de 300 veículos.

Também os manifestantes que chegaram a Brasília pouco antes do 8 de Janeiro se reuniram em um primeiro momento junto dos que acampavam diante do QG do Exército. Monitoramentos conduzidos por órgãos de segurança, como a Abin (Agência Brasileira de Inteligência) apontaram que o número de pessoas reunidas no local se multiplicou por 20 na véspera dos ataques.

Antes mesmo do atentado, os acampados já demonstravam comportamento hostil. Horas depois da diplomação de Lula como presidente, em 12 de outubro de 2022, um grupo que estava diante do QG tentou invadir a sede da PF e queimou veículos.

O próprio Exército suspendeu duas tentativas de desmontar o acampamento para não haver risco de confronto com os manifestantes.

Também não é verdade que os responsáveis pelo vandalismo “foram embora” após os ataques sem punição da Justiça e que só foram presos aqueles que não participaram da invasão e optaram por permanecer no acampamento. Há relatos claros, durante o julgamento, de prisões de depredadores:

Também houve casos de manifestantes acampados que não participaram das depredações, mas que ainda assim foram condenados pelo STF por incitação à tomada de poder pelas Forças Armadas.

Eu ouvi a declaração do ministro José Múcio, da Defesa, no Roda Viva, há poucos meses, ele falando que o 8 de Janeiro não foi golpe. Também o ex-ministro Aldo Rebelo, a mesma coisa. Também o ex-ministro da Defesa, Nelson Jobim, a mesma coisa — que foi presidente do TSE, inclusive. Outras [pessoas]... José Sarney… todo mundo falando isso, respeitosamente.

Bolsonaro distorce declarações de políticos ao tentar fortalecer seu argumento de que os ataques violentos às sedes dos Três Poderes em Brasília não teriam sido uma tentativa de golpe de Estado.

Não é verdade, por exemplo, que o ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, tenha negado que o 8 de Janeiro tenha sido uma tentativa de golpe na entrevista que concedeu no programa Roda Viva, da TV Cultura, em 10 de fevereiro.

O ministro evitou usar a palavra “golpe” para definir o evento, reiterou que não foram presos militares naquele dia, disse que não havia lideranças armadas entre os manifestantes e considerou que as depredações, por si só, não seriam suficientes para derrubar o governo.

Porém, Múcio ponderou que só a abertura dos relatórios da investigação — que aconteceria uma semana depois da entrevista, com a denúncia da PGR (Procuradoria-Geral da República) — poderia esclarecer “se houve alguma armação” por trás dos ataques.

“Tem gente que quebrou uma cadeira, tem gente que armou esse movimento, o golpe, como você diz. Se for tudo comprovado, que este [que organizou] pague. Que este pague. Se foi um golpe, quem organizou que pague”, declarou na ocasião.

Após a denúncia da PGR, o ministro da Defesa chegou a declarar que o constrangimento em ver o nome de militares envolvidos na trama o fez “riscar o 8 de Janeiro de todos os calendários” e defendeu que os atos antidemocráticos sejam esclarecidos, argumentando que interessa às Forças Armadas “separar o joio do trigo, para saber quem comprometeu o nome das instituições”.

No caso de Nelson Jobim, apesar de o ex-ministro não considerar que os manifestantes que invadiram os prédios do Congresso e do STF tenham tentado dar um golpe com o ato em si, a íntegra de sua argumentação não afasta o caráter antidemocrático do movimento.

“Aquelas pessoas todas ficaram um tempo enorme na frente dos quartéis, acampados, aquela coisa toda, pretendendo que os militares interviessem para o governo. Ou seja, dessem um golpe. [Os invasores] pretendiam uma intervenção militar no processo político (…) e não conseguiram”, disse à CNN.

Bolsonaro, porém, acerta na menção a José Sarney, que disse em entrevista à Veja em maio que não considera que o 8 de Janeiro foi um golpe. “Houve um excesso de judicialização da política e de politização da Justiça”, declarou.

Também o ex-deputado Aldo Rebelo (MDB) tem sido categórico ao negar que o 8 de Janeiro tenha sido uma tentativa de golpe, optando por classificar o evento de “atos de vandalismo”.

O caminho da apuração

Aos Fatos acompanhou o depoimento de Bolsonaro no STF e o trascreveu, na íntegra, pela ferramenta Escriba. As declarações checáveis, foram, então, verificadas pelos repórteres que contestaram as alegações com base em documentos públicos, matérias da imprensa e decisões da Justiça.

Também entramos em contato com a defesa de Bolsonaro para abrir espaço para comentários.

Referências

  1. Estadão
  2. TecMundo
  3. TSE (1, 2, 3, 4 e 5)
  4. Folha de S.Paulo (1, 2, 3 e 4)
  5. Aos Fatos (1, 2, 3, 4 e 5)
  6. EBC (1 e 2)
  7. g1 (1, 2, 3 e 4)
  8. Jota
  9. DW
  10. STF (1, 2 e 3)
  11. Conjur
  12. Migalhas
  13. UOL
  14. CNN Brasil
  15. Veja
Discurso oficialChecagem
Jair BolsonaroSTF8 de Janeiro

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