Novas revelações sobre o esquema de descontos ilegais em aposentadorias e pensões do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) seguem alimentando um conflito de versões sobre quem teria responsabilidade sobre o caso.
Apoiadores do presidente Lula (PT) têm citado indícios de que os supostos envolvidos no esquema ilegal fizeram doações de campanha para o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e para o ex-ministro Onyx Lorenzoni (PL) para culpar o governo anterior pelo esquema.
Já eleitores de Bolsonaro apontam que o governo Lula foi alertado desde 2023 sobre o aumento de fraudes e denúncias de descontos sem autorização, mas não tomou medidas para que a prática fosse coibida. As publicações também implicam no caso o irmão do presidente, Frei Chico, que não é citado no inquérito da PF.
A seguir, Aos Fatos explica o que se sabe de fato sobre o caso e quais episódios têm relação com os governos de Lula e Bolsonaro.
1. O que ocorreu durante o governo Lula?

Apoiadores de Bolsonaro afirmam que o governo Lula sabia das irregularidades e nada fez, que o montante descontado aumentou desde 2023, quando teriam sido desviados cerca de R$ 90 bilhões em empréstimos consignados, e que há ligações de envolvidos no esquema com o atual governo. Algumas dessas informações estão corretas.
Empréstimos consignados. De acordo com auditoria do TCU (Tribunal de Contas da União), a fraude no INSS pode ter envolvido também a liberação sem consentimento de empréstimos consignados a aposentados e pensionistas.
Com base nessas informações, posts nas redes têm alegado que, só em 2023, primeiro ano do governo Lula, esses empréstimos teriam sido usados para desviar R$ 90 bilhões. Isso não é verdade.

O número citado pelas peças de desinformação corresponde ao valor total liberado para empréstimos consignados a aposentados e pensionistas naquele ano. As autoridades ainda estão apurando quanto desse valor foi efetivamente aprovado sem o consentimento dos beneficiários.
Até o momento, foram divulgados dados do consignado referentes a 2023. Logo, não é possível comparar com anos anteriores e apontar tendências de crescimento ou queda.
Ligações com o governo. Posts nas redes têm apontado ainda que o irmão mais velho de Lula, conhecido como Frei Chico, teria participação no esquema por ser vice-presidente do Sindnapi (Sindicato Nacional dos Aposentados, Pensionistas e Idosos) — uma entre as cerca de 11 entidades que foram alvos da PF em abril.
As peças omitem, no entanto, que Frei Chico não figura entre os investigados, e que apenas o sindicato e o presidente da entidade, Milton Baptista de Souza Filho, foram citados no inquérito.

Aumento nas fraudes. Também é verdade que houve um aumento nos valores enviados a entidades associativas e no total de requerimentos para cancelamento de descontos desde o início do governo Lula. Os valores desviados desde 2023, no entanto, não chegam a R$ 6,3 bilhões, como apontam posts nas redes.
O valor citado pelas peças de desinformação corresponde, na verdade, à totalidade dos rees ilegais feitos pelo INSS a entidades entre 2019 e 2024 — durante, portanto, os governos Bolsonaro e Lula. Os documentos públicos das investigações não deixam claro quando o esquema começou. Beneficiários relatam que os descontos tiveram início antes de 2019.
As investigações sobre o caso começaram em 2023, quando o INSS notou uma aceleração nos rees e no número de entidades beneficiadas pelos descontos. Naquele ano, os valores descontados quase dobraram, chegando a R$ 1,3 bilhão.
Já os requerimentos para cancelamento dos descontos, protocolados nos canais de atendimento da autarquia, saltaram de 22 mil em julho de 2023 para 192 mil em abril de 2024.
Alerta. É fato que o ex-ministro da Previdência Social, Carlos Lupi (PDT) — que pediu demissão na última sexta-feira (2) — foi alertado em junho de 2023 sobre o aumento de descontos não autorizados e que as primeiras medidas do órgão para frear as fraudes foram tomadas apenas em março de 2024.
A PF diz que a direção do INSS chegou a suspender os descontos de todas as entidades associativas em maio do ano ado, até que fosse desenvolvido um procedimento mais seguro para os pagamentos. No entanto, a própria direção teria flexibilizado a decisão e autorizado novamente os descontos em junho.
A imprensa também vinha alertando desde aquele ano sobre o esquema. Em dezembro de 2023, por exemplo, o Metrópoles revelou que uma entidade estava realizando descontos ilegais de beneficiários do INSS. Já em março do ano seguinte, o veículo mostrou que sindicatos faturaram R$ 2 bilhões com descontos indevidos em um ano.
2. O que ocorreu durante o governo Bolsonaro?

Apoiadores de Lula seguem afirmando que o esquema de descontos indevidos teve origem em 2019, durante o governo Bolsonaro, e que medidas sancionadas pelo ex-presidente teriam dificultado a fiscalização dos rees. Como já mostrado pelo Aos Fatos, isso não é verdade.
Questionada pela reportagem sobre quando o esquema começou, a CGU (Controladoria-Geral da União) informou que não comenta sobre investigações em curso e que as informações existentes estão disponíveis no relatório de auditoria que fundamentou a investigação da PF. O documento não menciona a data de início das fraudes.
Em gráfico que mostra a evolução do número de entidades e descontos em mensalidades associativas, no entanto, o órgão indica que os casos ocorrem ao menos desde 2016 — últimos cinco meses da gestão de Dilma Rousseff (PT) e os primeiros sete meses do governo de Michel Temer (MDB).
Na época, teriam sido descontados R$ 413,2 milhões. Em 2019, primeiro ano do governo Bolsonaro, os descontos chegaram a R$ 604,6 milhões.
Entre 2019 e 2021, o montante descontado caiu, assim como o número de entidades beneficiadas. A partir do ano seguinte, no entanto, há um salto significativo Em 2022, os valores descontados chegaram a R$ 706,2 milhões.
Os descontos associativos são previstos desde 1991, quando entrou em vigor a Lei dos Benefícios da Previdência Social. Eles são feitos com base em ACTs (Acordos de Cooperação Técnica) que o INSS assina com as entidades. A partir daí, o órgão rea a elas o valor descontado das aposentadorias e pensões.
Medidas legais. Em 2019, a MP 871, formulada pelo INSS e transformada em lei, endureceu as regras para a concessão de descontos associativos. O texto original enviado ao Congresso previa a obrigatoriedade da autorização do desconto e sua revalidação anual. Durante a tramitação, porém, o prazo foi ampliado para três anos, contados a partir de 31 de dezembro de 2021.
Naquele mesmo ano, segundo o relatório da CGU, a Procuradoria da República no Estado do Paraná expediu ao INSS uma recomendação para suspender os rees para algumas associações, em razão do aumento súbito dos valores descontados entre 2017 e 2019.
Ligações com o ex-governo. Posts nas redes também têm tentado associar o esquema à oposição ao alegar que alguns dos nomes envolvidos já teriam declarado apoio a Bolsonaro. O nome mais citado é o do lobista Antonio Carlos Camilo Antunes — apelidado de “Careca do INSS”, apontado como um dos principais operadores da fraude.

De fato, Antunes doou R$ 1 ao ex-presidente durante o pleito de 2022, como parte de uma campanha de “contagem paralela de votos”.
Outro nome citado é o de Felipe Macedo Gomes, ex-presidente da ABCB (Amar Brasil Clube de Benefícios), uma das entidades que foram alvo da operação da PF em abril.
Nesse caso, no entanto, as peças acertam ao afirmar que o dirigente doou R$ 60 mil para a campanha de 2022 do ex-ministro do Trabalho e Previdência Social de Bolsonaro, Onyx Lorenzoni.
Após se licenciar do cargo de ministro em março de 2022 para concorrer ao governo do Rio Grande do Sul, Lorenzoni foi substituído por José Carlos Oliveira, que antes atuava como diretor de benefícios do INSS. Oliveira, que não é formalmente investigado, foi citado no inquérito da PF por ser ligado a uma das entidades suspeitas de desvios.
O caminho da apuração
Aos Fatos compilou as novas revelações feitas pela imprensa sobre o esquema de desvio ilegal de valores de aposentadorias e pensões do INSS. Lemos também o relatório da CGU sobre o caso e contextualizamos com dados publicados pelo órgão.