Perfis de direita adotaram e disseminaram nas redes os argumentos usados pela defesa do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) no julgamento que o tornou réu por suposta tentativa de golpe de Estado.
Nesta quarta-feira (26), a 1ª Turma do STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu aceitar a denúncia da PGR (Procuradoria-Geral da República), dando início a uma ação penal que poderá resultar na prisão do ex-presidente e de sete de seus aliados.
Um dia antes, os advogados dos acusados apresentaram seus argumentos, pleiteando que a denúncia fosse rejeitada. Questionamentos sobre a veracidade da delação de Mauro Cid e alegações sobre uma suposta falta de provas foram alguns dos pontos levantados.
Embora os ministros da 1ª Turma tenham decidido rejeitar as teses dos acusados, ao longo de todo o julgamento os argumentos da defesa atiçaram as redes bolsonaristas.
Veja, abaixo, um resumo das principais teses apresentadas pela defesa de Bolsonaro e como elas ecoaram nas redes.
- ‘Delação de Cid deveria ser anulada’
- ‘Autoridades fizeram pesca probatória’
- ‘Não se encontrou nenhuma prova contra Bolsonaro’
- ‘Bolsonaro não podia dar golpe nele mesmo’
- ‘Não foi golpe de Estado porque não houve violência’
- ‘A defesa não teve o às provas’
‘Delação de Cid deveria ser anulada’
Um dos argumentos apresentados pelo advogado de Bolsonaro, Celso Sanchez Vilardi, e pelo advogado do ex-ministro da Defesa Walter Braga Netto, José Luís Mendes de Oliveira Lima, é o de que a delação de Mauro Cid deveria ser anulada porque o ex-ajudante de ordens teria sido coagido a firmar o acordo e ameaçado pelo ministro Alexandre de Moraes.
Essa tese já aparecia nas redes antes do julgamento, mas voltou a circular por causa das falas da defesa.

O argumento para defender a nulidade foi rechaçado por Moraes ainda na terça-feira (25). Segundo o ministro, os advogados distorcem os acontecimentos que levaram à delação de Cid:
- O militar foi preso em maio de 2023 durante uma investigação da PF sobre fraude de cartões de vacinação;
- Após fechar acordo de delação premiada, no qual Cid exigiu benefícios como restituição de bens e perdão judicial, e prestar um depoimento à PF, ele deixou a prisão em setembro;
- Em março de 2024, a Veja publicou um áudio vazado que mostrava que Cid havia dito que foi coagido a falar coisas que não aconteceram à PF. O STF, então, marcou uma audiência para que ele esclarecesse a situação. Cid disse que não foi coagido e que os áudios eram apenas um “desabafo” a um amigo. Moraes, então, decretou uma nova prisão;
- Cid prestou novos depoimentos para sanar essas “contradições”.
“A audiência foi marcada para que o colaborador pudesse se manifestar sobre essa imputação que a Polícia Federal havia feito sobre dolosamente ter mentido e omitido fatos objetos da colaboração. O colaborador, no início da audiência, foi advertido assim, como toda testemunha é”, afirmou Alexandre de Moraes.
Conforme dito pelo próprio Moraes durante o julgamento, Cid foi convocado porque a legislação permite a rescisão do acordo de delação premiada em caso de omissões ou inverdades.
‘Autoridades fizeram pesca probatória’
Ao defender seu cliente, Vilardi também argumentou que Bolsonaro foi o presidente “mais investigado da história do país”, sugerindo que não havia uma razão concreta que justificasse as investigações.
“Num primeiro momento, verificava-se a live, numa investigação determinada pelo TSE. Num segundo momento, investigava-se o cartão corporativo, os gastos do presidente e da então primeira-dama. Depois, investigou-se até uma questão de emendas, para se chegar numa questão de vacinas; portanto, não havia um objeto específico.”
Desde o início das investigações, perfis bolsonaristas já disseminavam a tese de que as autoridades brasileiras estavam fazendo “pesca probatória” (ou fishing expedition, em inglês) — investigação sem alvo definido com o intuito de incriminar um alvo. O argumento, agora, ganhou fôlego ao aparecer na defesa do ex-presidente.
Na sessão de terça-feira (25) do julgamento da denúncia, o relator do caso, Alexandre de Moraes, rejeitou a tese de pesca probatória, argumentando que houve um “desencadeamento de investigação”.
O relator defendeu que não se pode confundir uma investigação “detalhada, complexa” com uma produção de provas de forma “absolutamente aleatória”, sem investigações específicas e sem a supervisão do Ministério Público e do Judiciário. “Se você encontra outros crimes, o que você vai fazer? A polícia vai, simplesmente, ignorar os demais crimes?”, questionou Moraes.
‘Não se encontrou nenhuma prova contra Bolsonaro’
Em fevereiro, a denúncia da PGR mal havia sido apresentada e o filho mais velho do ex-presidente, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) foi às redes argumentar que o documento de 272 páginas não possuía “absolutamente nenhuma prova” que implicasse seu pai.
Na terça, a tese foi levada ao tribunal. “Foram determinadas buscas e apreensões, foi feita a quebra de nuvens, o presidente foi investigado. [...] O que se achou com o presidente? Absolutamente nada”, afirmou o advogado de Bolsonaro.
Vilardi defendeu que os únicos elementos que a PGR tinha em mãos seriam a delação de Mauro Cid, que ele questionou a veracidade, e uma minuta “tratando de uma questão de estado de sítio” — em referência ao projeto de decreto que ficou conhecido como “minuta do golpe”.
“Com o estado de sítio e baseado na palavra exclusiva do delator, seria difícil a propositura de uma ação penal. Então, traz-se uma narrativa”, declarou.
Como o Aos Fatos já tinha mostrado, a delação de Cid não é o único indício apresentado pela PGR envolvendo Bolsonaro na suposta trama golpista. O depoimento do ex-comandante do Exército Freire Gomes, mensagens obtidas na perícia de celulares e o cruzamento das informações adas pelo delator com registro de entradas e saídas em prédios públicos, por exemplo, também aparecem na acusação.
‘Bolsonaro não podia dar golpe nele mesmo’
Ao defender Bolsonaro, Vilardi também argumentou que a acusação de que ele teria cometido os crimes de golpe de Estado e contra as instituições democráticas era “impossível”, uma vez que Bolsonaro ainda estava no poder quando a conspiração teria começado.
Na terça-feira, a tese do “autogolpe” foi reforçada por perfis como o de Eduardo Bolsonaro (PL-SP). “Como o Bolsonaro iria, em 2021, se retirar do poder para em seu lugar botar a si próprio?”, ironizou o deputado, que se licenciou do cargo para morar nos Estados Unidos.
O argumento da acusação é que Bolsonaro, quando as pesquisas começaram a apontar para o risco de derrota nas eleições, teria começado levantar suspeitas sobre as urnas e uma possível fraude para justificar um futuro golpe, caso não conseguisse se reeleger.
Ainda assim, um “autogolpe” não seria inédito na história do Brasil, tendo sido adotado pelo então presidente eleito Getúlio Vargas, que dissolveu o Parlamento e instaurou a ditadura do Estado Novo em 1937.
‘Não foi golpe de Estado porque não houve violência’
Vilardi também lembrou que, pela legislação brasileira, os crimes de atentado contra o Estado democrático de direito e de golpe de Estado pressupõem o uso de “violência ou grave ameaça” para serem caracterizados, enquanto o ex-presidente estaria sendo acusado por “pronunciamentos e lives”.
Nesta quarta-feira (26), publicações disseminavam o argumento de que não houve emprego de violência na trama denunciada.
“Golpe precisa de armas, tanques, Exército e demais integrantes das Forças Armadas. Onde estão, jumento?”, publicou um usuário no X.
Em resposta às alegações de advogados de que não teria havido emprego da violência, Alexandre de Moraes exibiu um vídeo com cenas violentas do 8 de Janeiro.
“É um absurdo pessoas dizerem que não houve violência, não houve agressão, e, consequentemente, não houve materialidade”, afirmou, antes de apresentar o vídeo.
Na argumentação, o ministro também disse que uma parte da população é enganada por “pessoas de má-fé que, com notícias fraudulentas e com milícias digitais”, criariam uma “narrativa” de que os presos pelos ataques a Brasília seriam “velhinhas com a Bíblia na mão” ou “pessoas que estavam eando, que estavam com batom, e foram lá ar um batonzinho só na estátua”.
A exibição do vídeo por Moraes foi atacada por algumas publicações de direita, que argumentaram que o ministro estaria extrapolando sua função de julgar ao “criar provas” para ajudar a acusação.
‘A defesa não teve o às provas’
Desde terça, uma série de publicações de direita têm ecoado o argumento de que a defesa dos acusados teria sido “cerceada”, porque só pode ter o às provas que apareceram no inquérito da Polícia Federal e na denúncia da PGR – e não à íntegra do material obtido durante a investigação.
“É verdade o que Vossa Excelência coloca, que todos os elementos da denúncia, citados na denúncia e no relatório da Polícia Federal, estão nos autos. (...) O que não está na denúncia é a completude da mídia”, disse Vilardi, se dirigindo a Moraes.
Ainda na terça-feira (25), os ministros da 1ª Turma rejeitaram por unanimidade a alegação de que as defesas dos envolvidos no suposto plano de golpe não tiveram o às provas.
O argumento que embasou a decisão é que a súmula vinculante 14, do STF, garantiria o apenas às provas documentadas no inquérito policial, que são as que também foram adas pela PGR para formular a denúncia.
O entendimento da 1ª Turma sobre o o às provas, porém, não é consensual, já que alguns juristas defendem que os advogados dos acusados deveriam ter direito à íntegra do material apreendido durante as investigações, devido ao princípio de “igualdade de armas”.
Balde de água fria
Além de argumentos baseados na defesa dos investigados, apoiadores do ex-presidente também começaram o dia viralizando publicações que tentavam pintar um retrato de que Bolsonaro teria sido um exemplo de coragem ao comparecer pessoalmente ao julgamento para “enfrentar” Moraes.

Posts afirmam, por exemplo, que Moraes teria “tremido” na frente de Bolsonaro, que se sentou na primeira fileira para assistir o julgamento. A cena que tem circulado nas redes, no entanto — que mostra o ministro gaguejando —, é do momento em que o magistrado é interrompido pelo ex-desembargador Sebastião Coelho.
Outras publicações elogiam Bolsonaro por ter “aparecido de surpresa” ao julgamento, o que provaria que ele não teria medo de se tornar réu. Algumas até comparam a situação com a de Lula em 2017, dizendo que, enquanto o petista “se escondeu” no Sindicato dos Metalúrgicos durante seu julgamento, Bolsonaro teria “enfrentado” os ministros.
Apesar da vibração das redes, Bolsonaro não compareceu no segundo dia de julgamento, acompanhando a sessão do gabinete de seu filho, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ).
A atitude foi atacada no X pelo ex-comentarista da Jovem Pan Paulo Figueiredo Filho, gerando um bate-boca entre militantes de direita.
O caminho da apuração
Aos Fatos transcreveu a sustentação oral do advogado de Bolsonaro utilizando a ferramenta Escriba.
Após a análise dos argumentos, a reportagem comparou-os com publicações que estavam circulando em perfis de simpatizantes do ex-presidente.