Redes reciclam ‘revelação’ antiga para alimentar conspirações sobre morte de Eduardo Campos

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No final de maio, o site Diário do Poder publicou um texto intitulado “Dilma mandou Abin espionar Eduardo Campos, revela presidente nacional do PSB”.

Como era de se esperar, prints com o título aram a ser compartilhados nas redes por usuários e congressistas, como Gustavo Gayer (PL-GO), o que alimentou uma teoria conspiratória antiga da política brasileira: a de que a queda do avião de Campos foi, na verdade, um atentado criminoso.

Print de manchete do Diário do Poder foi compartilhado pelo deputado federal Gustavo Gayer no X. O congressista comentou ‘e algum tempo depois o avião dele caiu. Hoje o PSB está como vice do Lula e os filhos de Eduardo Campos apoiam o Lula, vai entender’.
Texto do Diário do Poder foi usado nas redes para alimentar teoria da conspiração sobre morte do ex-governador (Reprodução/X)

O próprio Diário do Poder, aproveitando o engajamento, publicou um novo texto no dia seguinte com o título “Espionagem reforça suspeita de que Eduardo Campos pode ter sido vítima de atentado”.

Quem lê apenas os títulos e as publicações nas redes pode muito bem interpretar que houve, então, uma grande revelação sobre o caso. Mas não é bem assim.


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Na verdade, o primeiro texto do Diário do Poder replicava uma declaração do presidente do PSB, Carlos Siqueira, ao podcast Direto de Brasília, da Folha de Pernambuco, no dia 27 de maio:

“Quando o Eduardo saiu pré-candidato, vocês não acreditam no que aconteceu para evitar a candidatura de Eduardo Campos. A candidatura de Eduardo Campos saiu a fórceps, até mesmo do PSB, porque se interferiu tanto, o governo da Dilma, e sofreu muitas ameaças. Para se ter uma ideia, teve um agente, numa greve lá de Suape, que a Dilma botou um agente da Abin lá dentro, que foi preso lá, porque o Eduardo descobriu.” — Carlos Siqueira, em podcast no dia 27.mai.2025.

Só isso. Está aí a “revelação”: um caso que foi noticiado em 2013 pela Veja. Quatro agentes da Abin foram presos por atuarem disfarçados no Porto de Suape, em Pernambuco, com o intuito de espionar as ações de Campos. Na época, o próprio governador disse que conversou com o GSI (Gabinete de Segurança Institucional) e que lhe foi garantido que não houve espionagem de cunho político ou de viés eleitoral. O caso foi dado por encerrado por Campos, conta a reportagem.

E vale ressaltar que o Diário do Poder deixou de fora o trecho seguinte da fala de Siqueira ao podcast, quando o apresentador perguntou se essa espionagem o fazia desconfiar do acidente de avião:

“Isso eu não desconfio. Acho que o acidente foi acidente mesmo. Sou convencido disso” — Carlos Siqueira, em podcast no dia 27.mai.2025.

Mas como não é possível esperar que os usuários das redes busquem a reportagem completa ou leiam mais do que o título, a manchete caiu como uma bomba entre os conspiradores (e também entre alguns opositores do governo). Com isso, além da falsa “revelação”, aram a circular nas redes nos últimos dias outras mentiras e distorções sobre o acidente.

1. ‘Foi um atentado do PT porque Campos estava na frente de Dilma nas pesquisas’

Tweet compartilha matéria antiga do UOL com o título ‘PSB anuncia chapa com Eduardo Campos para presidente e Marina Silva como vice’. A imagem foi compartilhada junto com a legenda ‘Em abril de 2014, o PSB lançou Eduardo Campos como candidato à Presidência da República e Marina Silva como sua vice. A campanha eleitoral tomou força ao longo de quatro meses e ele já era considerado como o favorito nas pesquisas’.

Uma velha desinformação que voltou a circular em meio a essa falsa revelação foi a história de que Campos seria o favorito nas pesquisas eleitorais de 2014. Isso, segundo os conspiradores, seria um indício de que o PT, interessado na reeleição de Dilma Rousseff (PT), poderia ser responsável pela queda do avião.

Mas isso não é verdade: Campos era o terceiro colocado na disputa, segundo os levantamentos mais próximos à data do acidente. Os dois principais candidatos eram Dilma e Aécio Neves (PSDB).

Mesmo as pesquisas mais iniciais, de abril de 2014, quando Campos lançou sua candidatura, indicavam que o governador estava muito atrás dos dois outros concorrentes.

2. ‘Marina Silva não apareceu no dia do embarque porque recebeu uma ligação de Dilma’

Usuária no X comentou texto do ‘Diário do Poder’: ‘A Marina Silva ia entrar nesse avião e no embarque ela não compareceu. As duas, Dilma e Marina, são amigas chegadas. Mais (sic) como de costume para a esquerda isso é fake news’.

Outra teoria conspiratória que tenta relacionar o PT ao acidente diz que Marina Silva, então vice da chapa de Campos, não apareceu para embarcar no avião que acabou caindo porque teria sido avisada de última hora por Dilma.

Relatos publicados pela imprensa na época de fato atestam que Marina decidiu não participar da agenda de Campos em Guarujá (SP). Alguns veículos dizem que a decisão teria sido tomada um dia antes, enquanto outros falam que ela optou por um outro voo para Guarulhos momentos antes do jatinho decolar. Nenhum dos jornais cita uma suposta ligação de Dilma.

Dias depois do acidente, Marina afirmou que não embarcou na aeronave “por providência divina”.

Falar que Marina e Dilma eram “amigas” em 2014 também a longe da verdade: naquele ano, as duas eram adversárias e trocaram diversas críticas (veja exemplos aqui e aqui). Mesmo quando eram colegas ministeriais, as duas também bateram cabeça.

3. ‘Bolsonaro teria o mesmo destino de Teori Zavascki e Eduardo Campos’

Uma característica das teorias da conspiração é que ela pode ser facilmente esticada para alcançar outras teses. Não foi preciso esperar muito para que usuários voltassem a compartilhar a teoria que acusa o PT (ou a esquerda em geral) de matar opositores.

Diversos comentários alegam que quem matou Campos seriam os mesmos responsáveis pela morte do ex-ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Teori Zavascki em 2017 e do atentado a faca sofrido por Jair Bolsonaro (PL) em 2018.

Ao contrário do que sugerem os usuários, os três casos foram investigados e em nenhum deles houve citação a políticos do PT:

  • Segundo relatório do Cenipa (Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos), a queda do avião de Zavascki foi causada por uma somatória de fatores, como mau tempo e falha humana. A investigação não encontrou nenhum indício de pane ou sabotagem;
  • Já sobre a aeronave de Campos, a PF apresentou quatro possíveis causas, mas nenhuma delas envolvia crime. O processo foi arquivado porque, segundo o MPF (Ministério Público Federal), era impossível definir a causa exata por conta da “inoperância ou ausência de equipamentos na cabine de comando do avião”;
  • Por fim, a facada de Bolsonaro também não tem nenhuma relação com políticos de esquerda: a PF concluiu que Adélio Bispo agiu sozinho.


Acidentes acontecem. Não é porque a vítima é um político ou uma figura pública que a explicação é sempre uma conspiração hollywoodiana enorme que envolve outros políticos.

Questionar as conclusões dos órgãos de investigação sem um pingo de prova é desinformação. No fim das contas, isso só serve para criar mais burburinho, alimentar a confusão e tirar o foco do luto.

Outro lado

Aos Fatos entrou em contato com o Diário do Poder na última sexta-feira (6) para que pudessem comentar a newsletter. Até a publicação deste texto, no entanto, não houve resposta.

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