A 1ª Turma do STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu por unanimidade nesta terça-feira (6) tornar réus sete acusados de propagar informações falsas contra o processo eleitoral para ajudar a consumar a tentativa de golpe que pretendia manter no poder o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
Chamado de “núcleo da desinformação”, o grupo é acusado pela PGR (Procuradoria-Geral da República) de levantar suspeitas contra a segurança do processo eleitoral, argumento que serviria de pretexto para os golpistas tentarem impedir a posse do presidente Lula (PT). Com a decisão, tornam-se réus:
- O capitão reformado Ailton Gonçalves Moraes Barros;
- O major da reserva Ângelo Martins Denicoli;
- O presidente do IVL (Instituto Voto Legal), Carlos César Moretzsohn Rocha;
- O subtenente Giancarlo Gomes Rodrigues;
- O tenente-coronel Guilherme Marques de Almeida;
- O policial federal Marcelo Araújo Bormevet;
- E o coronel do Exército Reginaldo Vieira de Abreu.
Na leitura de seu voto, o ministro Alexandre de Moraes disse que o núcleo de desinformação atuou para “jogar dúvida na sociedade, jogar mentira, tentar transformar mentira numa dúvida em relação à democracia, às instituições, à Justiça eleitoral”, motivo pelo qual considerou importante o papel do grupo na articulação da tentativa de golpe.
“Quando a mentira se põe a serviço dos ódios, as consequências são muito pouco humanas e, principalmente, nunca serão democráticas”, afirmou a ministra Cármen Lúcia ao votar pelo recebimento da denúncia. A magistrada comparou a disseminação de desinformação ao ato de colocar veneno em uma caixa d’água, que faria com que as pessoas se contaminassem sem se dar conta.
Esta é a terceira leva de denúncias aceitas contra acusados da tentativa de golpe de Estado após as eleições de 2022. Antes, o STF já tinha analisado as denúncias contra o núcleo central da trama — que inclui Bolsonaro — e o núcleo gerencial — espécie de segundo escalão.
O recebimento da denúncia resulta na instauração de uma ação penal, que pode levar à prisão dos acusados. Antes do julgamento final, que não tem data para ocorrer, o processo ainda precisa ar pela fase de instrução — que inclui a produção de eventuais provas, a oitiva de testemunhas e o interrogatório dos réus.
No total, a PGR denunciou 34 pessoas pelos crimes de organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado.
‘Abin Paralela’
Segundo a PGR, os membros do núcleo julgado nesta terça (6) “propagaram notícias falsas sobre o processo eleitoral e realizaram ataques virtuais a instituições e autoridades que ameaçavam os interesses” da organização, criando um clima de instabilidade social para garantir que Bolsonaro continuasse no poder.
Dois dos denunciados — Marcelo Bormevet e Giancarlos Rodrigues — são acusados de pertencerem à chamada “Abin Paralela”, órgão clandestino que usava a estrutura da Abin (Agência Brasileira de Inteligência) contra desafetos do governo.
Baseada em investigações da Polícia Federal, a PGR afirma que a “Abin Paralela” espionou políticos, jornalistas e ativistas — em alguns casos, usando ferramentas de inteligência de forma irregular — e criou dossiês com mentiras para atacar determinados alvos — entre eles, o Aos Fatos.
“O material construído pela célula de contrainteligência era posteriormente reado a vetores de propagação em redes sociais (perfis falsos e perfis cooptados); os verdadeiros beneficiários políticos da desinformação eram, assim, distanciados dos ilícitos”, diz a denúncia da PGR.
Entre as ações atribuídas ao grupo está a construção de uma peça de desinformação que relacionava os ministros do STF Luiz Fux e Luís Roberto Barroso ao banco Itaú, ressaltando que a instituição financeira tinha participação acionária na empresa Positivo Tecnologia — fabricante de parte das urnas eletrônicas para o pleito eleitoral de 2022. O objetivo da associação, segundo a PGR, era desacreditar as urnas.
Ataques às urnas
A denúncia também inclui o major da reserva Angelo Martins Denicoli, acusado de ser o elo dos golpistas com o influenciador argentino Fernando Cerimedo — que, em novembro de 2022, fez uma live atacando o sistema eleitoral brasileiro.
Segundo as investigações, Denicoli seria autor de documentos com informações falsas sobre as urnas que foram encontrados em uma pasta de Cerimedo no Google Drive.
Na transmissão que fez logo após as eleições de 2022, o influenciador argentino mentiu que urnas eletrônicas fabricadas antes de 2020 não eram íveis de auditoria e que Bolsonaro teria tido menos votação em locais que usaram equipamentos antigos, sugerindo que teria havido fraude.
Quando a Justiça Eleitoral derrubou a live, outros militares teriam ajudado a fazer com que o conteúdo continuasse circulando nas redes, acusação que a PGR faz contra o tenente-coronel Guilherme Marques Almeida, especialista em operações psicológicas.
“Os dados extraídos do aparelho celular de Guilherme Marques Almeida confirmaram a produção e disseminação massiva, inclusive por meio de listas de transmissão em aplicativos de mensagens instantâneas, de conteúdo falso e antidemocrático”, diz a Procuradoria.
“O conteúdo era produzido, muitas vezes, sem destinatário específico, para ser indiscriminadamente difundido e compartilhado nas redes sociais”, continua a denúncia.
Já Carlos Cesar Moretzsohn Rocha é acusado de ter atuado na divulgação de um estudo que, usando dados falsos, contestou o resultado das eleições presidenciais. O documento havia sido encomendado ao IVL pelo PL para embasar ação em que o partido pediu a anulação das eleições.
O coronel Reginaldo Vieira de Abreu, por sua vez, vai responder pela acusação de ter tentado manipular o relatório das Forças Armadas sobre o sistema eletrônico de votação, que não encontrou indícios de problemas, com o objetivo de sustentar a narrativa de fraude.
Segundo a denúncia, o militar teria buscado alinhar o documento oficial com o conteúdo da live de Cerimedo para dar aparência de veracidade às alegações infundadas.
‘Generais traidores’
Além de propagar mentiras contra o processo eleitoral, o núcleo tornado réu nesta terça (6) também teria atuado na promoção de ataques aos comandantes do Exército, general Marco Antonio Freire Gomes, e da Aeronáutica, o tenente-brigadeiro Carlos de Almeida Baptista Junior — que teriam se negado a participar do golpe.
De acordo com as investigações, o major reformado Ailton Gonçalves Moraes Barros teria recebido a autorização do ex-ministro da Defesa — e vice na chapa de Bolsonaro em 2022 — Walter Braga Netto para viralizar ataques aos dois militares, que acabaram alvo de uma enxurrada de mensagens nas redes que lhes atribuíam os rótulos de “melancia” e “traidores da pátria”.
O caminho da apuração
Aos Fatos leu a denúncia da PGR para verificar do que os réus eram acusados e acompanhou o julgamento do STF pelo YouTube. Reportagens antigas sobre o caso foram usadas como contexto.